A Filosofia na FLUL

Os estudos filosóficos de nível superior em Lisboa são tão antigos quanto a fundação de uma escola de humanidades na capital, o que sucede com a criação do Curso Superior de Letras pelo Rei D. Pedro V, por carta de lei de 8 de Junho de 1859, publicada no Diário do Governo nº 141, de 17 de Junho do mesmo ano, e regulamentada pelo Diário do Governo nº 226 de 26 de Setembro de 1859.

O curso, que começou a funcionar em 1861, tinha um plano de estudos constituído por cinco cadeiras, distribuídas por dois anos (que poderiam, no entanto, ser frequentadas em três), das quais duas eram de teor filosófico: a quarta cadeira, Filosofia Transcendente, e a quinta cadeira, História Universal Filosófica. Estas eram ministradas no segundo e último ano do curso, sendo a restantes (primeira cadeira, História Pátria e Universal; segunda cadeira, Literatura Latina e Grega; terceira cadeira, Literatura Moderna da Europa e especialmente Literatura Portuguesa) dadas no primeiro ano.

Aquando da criação da Faculdade de Letras de Lisboa, em substituição do Curso Superior de Letras, por decreto do Governo Provisório de 9 de Maio de 1911, regulamentado em 19 de Agosto seguinte, foi pela primeira vez consagrada a existência de uma secção autónoma de Filosofia, no quadro da organização da escola em seis grupos distintos. A licenciatura em Filosofia comportava apenas seis cadeiras asseguradas pela própria secção, sendo as restantes quinze comuns aos outros departamentos. Essas cadeiras eram as seguintes: Filosofia (Psicologia, Lógica e Moral); História da Filosofia Antiga; História da Filosofia Medieval; História da Filosofia Moderna e Contemporânea; Psicologia Experimental; Estética e História da Arte.

Após a supressão do Grupo de Filosofia e a sua integração numa única Secção de Ciências Histórico-Filosóficas, no quadro das reformas das Faculdades de Letras levadas a efeito pela Ditadura Militar entre 1926 e 1932, o panorama não se alterou de modo substancial, tendo até, curiosamente, aumentado as disciplinas filosóficas leccionadas no curso, que, de acordo com o Decreto 18.003 de 25 de Fevereiro de 1930, passaram a ser as seguintes: Lógica e Metodologia; História da Filosofia Antiga; História da Filosofia Medieval; História da Filosofia Moderna e Contemporânea; História da Filosofia em Portugal; Teoria do Conhecimento; Moral; Estética e Filosofia da Arte. Uma vez que Psicologia era então ainda entendida como uma disciplina filosófica no sistema de ensino português, tanto secundário como superior, como continuou aliás a ser até 1974, a componente filosófica da licenciatura incluía ainda, para além das referidas, duas outras, a saber, Psicologia Geral e Psicologia Experimental.

Eis o respectivo plano de estudos completo:

1º Ano

História da Antiguidade Oriental

História da Antiguidade Clássica

História da Filosofia Antiga

Geografia Humana

Psicologia Geral

Epigrafia

2º Ano

História Medieval

História de Portugal

História da Filosofia Medieval

Lógica e Metodologia

Paleografia e Diplomática

3º Ano

História Moderna e Contemporânea

História dos Descobrimentos e da Colonização Portuguesa

História da Filosofia Moderna e Contemporânea

História Geral da Civilização

Numismática

4º Ano

História da Filosofia em Portugal

Teoria do Conhecimento

Psicologia Experimental

Moral

Arqueologia

Estética e Filosofia da Arte

A reforma de 1957, determinada pelo Decreto-Lei 41.341 de 30 de Outubro, veio finalmente consagrar a autonomização das licenciaturas em Filosofia, tendo, por consequência. o respectivo currículo passado a incluir predominantemente disciplinas filosóficas, embora ainda a par de algumas cadeiras de História e de História da Cultura, bem como naturalmente, pelos motivos expostos, de Psicologia. De acordo com esta reforma, o curso prolongava-se por cinco anos, culminando com uma tese de licenciatura.

O plano de estudos era o seguinte:

1ºAno

Introdução à Filosofia

História da Cultura Clássica

História da Filosofia Antiga

Introdução à Psicologia

Teoria da História

2ºAno

Lógica

História da Cultura Medieval

História da Filosofia Medieval

História da Arte

Opção

3º Ano

Teoria do Conhecimento

História da Filosofia Moderna e Contemporânea I

História da Cultura Moderna

História da Cultura Portuguesa

História da Expansão Portuguesa

Opção

4º Ano

Ontologia e Antropologia Filosófica

História da Filosofia Moderna e Contemporânea II

Psicologia Experimental e Aplicada

História da Filosofia em Portugal

Opção

5º Ano

Axiologia e Ética

Estética e Teorias da Arte

Seminário

Após a revolução de 25 de Abril, uma nova alteração curricular veio, em 1978, definir pela primeira vez a licenciatura em Filosofia em torno de um conjunto de cadeiras exclusivamente filosóficas, consagrando ao mesmo tempo a supressão do quinto ano e a tese de licenciatura nos cursos de Letras.

Eis o seu plano de estudos:

1º Ano

Hermenêutica do Texto Filosófico

Epistemologia Geral

Filosofia do Conhecimento

Filosofia Antiga

2º Ano

Lógica

Filosofia Medieval

Filosofia Social e Política

Opção

3º Ano

Ontologia

Axiologia e Ética

Filosofia Moderna

Filosofia em Portugal

Opção

4º Ano

Antropologia Filosófica

Filosofia Contemporânea

Estética

Opção

Este plano teve vida relativamente curta, porque foi substituído menos de dez anos depois de ter entrado em vigor.

Entretanto, porém, uma importante inovação ocorreu nos ciclos de estudos organizados pela FLUL, a introdução de estudos pós-graduados nos cursos de Letras e, especificamente, em Filosofia, com a criação dos mestrados, por portaria 728/81, de 27 de Agosto, “autorizando a Universidade de Lisboa a conceder o grau de mestre em determinados cursos”, os quais entraram em funcionamento no ano lectivo seguinte. Muito mais tarde, já no final do milénio, a institucionalização dos estudos pós-graduados em Filosofia na FLUL viria a ser completada com a criação dos doutoramentos escolarizados. Ambos os ciclos de estudos, com diversas alterações curriculares, mantêm-se ainda hoje em vigor.

Enfim, no ano lectivo de 1987/88, uma nova reestruturação da licenciatura em Filosofia, de tipo inteiramente diferente das anteriores, foi estabelecida pela portaria 852/87 de 4 de Novembro. Esta nova reestruturação previa a oferta de uma mesma formação básica em Filosofia através de três percursos diferenciados partilhando um tronco comum – o percurso A, de Filosofia Fundamental, o percurso B , de Filosofia da Cultura, e o percurso C, de Filosofia da Ciência –, todos com a duração de quatro anos e inteiramente constituídos por cadeiras anuais (cinco por ano, das quais duas em regime de seminário e uma em regime de opção.).

O plano completo do curso era este:

1º Ano

O Trabalho Filosófico

Filosofia Antiga

Filosofia do Conhecimento

Opção Seriada A

Antropologia Filosófica

Filosofia da Religião

Opção Seriada B

Antropologia da Cultura

Filosofia da Religião

Opção Seriada C

Lógica I

Introdução às Teorias Físicas

2º Ano

Filosofia Medieval

Filosofia da Linguagem

História e Filosofia das Ciências

Opção Seriada A

Lógica

Filosofia Social e Política

Opção Seriada B

Lógica

Filosofia da História e da Cultura

Opção Seriada C

Lógica II

Introdução às Teorias Biológicas

3º Ano

Filosofia Moderna

Ética

Ontologia

Seminário

Opção Seriada A

Filosofia em Portugal

Opção Seriada B

Cultura e Filosofia em Portugal

Opção Seriada C

Ciência e Filosofia em Portugal

4º Ano

Filosofia Contemporânea

Opção

Seminário

Opção Seriada A

Estética

Hermenêutica

Opção Seriada B

Estética

Filosofia da Política e do Direito

Opção Seriada C

Filosofia Social e Política

Epistemologia das Ciências Sociais

Esta reforma visava uma tão ampla diversificação dos currículos quanto o possibilitasse o quadro e a habilitação científica do pessoal docente, bem como as exigências da distribuição anual do serviço, desígnio que foi tentado, embora de modo não sistemático, pelos professores a quem as diversas cadeiras foram atribuídas, os quais procuraram conferir uma tonalidade diferenciada aos programas previstos para cada percurso.

No mesmo ano lectivo, assistiu-se, entretanto, a uma outra importante inovação nos estudos filosóficos cultivados pela FLUL. Tratou-se da criação do biénio de formação profissionalizante em Filosofia, ou Ramo Educacional, destinado a fornecer preparação pedagógica específica aos licenciados interessados em obter habilitação própria para o ensino da disciplina ao nível do Ensino Secundário. A partir de 2007, em resultado de uma decisão governamental (Decretos-Lei 74/2006, de 24 de Março, que veio regulamentar o chamado “regime de Bolonha”, e 43/2007, de 22 de Fevereiro, que definiu o regime jurídico da habilitação profissional para a docência na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário), este ciclo de estudos foi transformado num curso de mestrado: o Mestrado em Ensino da Filosofia (a partir de 2012, denominado Mestrado em Ensino da Filosofia no Ensino Secundário). Este curso foi suspenso no ano lectivo de 2019/20.

Um outro marco importante na história da área disciplinar de Filosofia na FLUL foi o processo de semestralização das licenciaturas em Letras, lançado a partir do ano lectivo de 1995/96. Inicialmente implementado, na licenciatura em Filosofia, como noutras, a título de sistema alternativo sujeito ao critério dos responsáveis pelas disciplinas, que poderiam optar livremente, em cada caso, ora pelo regime anual, ora pelo regime semestral, o plano de estudos foi-se progressivamente moldando, em termos maioritários, pelo esquema semestral.

No ano lectivo de 2004/05, entrou em vigor na FLUL uma nova estrutura curricular da licenciatura também inteiramente distinta das anteriores. Nesta estrutura, desapareceu a divisão em percursos, sendo que, ao lado das disciplinas filosóficas básicas, todas já inteiramente semestrais – a saber: Temas e Técnicas da Filosofia; Lógica; Metafísica; Ética; Teoria do Conhecimento; Tópicos de Lógica; Tópicos de Metafísica; Tópicos de Ética; Tópicos de Teoria do Conhecimento; Estética e Filosofia da Arte; Filosofia em Portugal I e II; e as quatro disciplinas de História da Filosofia, cada uma em dois semestres –, todas obrigatórias e leccionadas no primeiro e segundo anos, surgiam, nos dois anos terminais, disciplinas filosóficas específicas, de carácter opcional, que os alunos deveriam anualmente escolher dentro de cinco grupos disciplinares: História da Filosofia; Ética, Valores e Sociedade; Epistemologia e Metafísica; Linguagem, Lógica e Mente; Estética e Teoria da Arte.

Curta foi a vigência desta reforma, porque, logo em 2006/07, entrou em vigor na FLUL a adaptação ao regime de Bolonha criado pelo Decreto-Lei 74/2006, de 24 de Março. Todavia, o modelo que presidia à estrutura curricular precedente manteve-se. De facto, para acomodar o currículo à nova duração do primeiro ciclo, de apenas três anos, foram eliminados todos os segundos semestres das disciplinas filosóficas básicas (Tópicos de Lógica; Tópicos de Metafísica; Tópicos de Ética; Tópicos de Teoria do Conhecimento; e as cinco Histórias da Filosofia II), passando as correspondentes do primeiro semestre a contar com seis horas lectivas semanais, contra as quatro de que anteriormente dispunham, enquanto que as disciplinas específicas mantinham a duração anterior de quatro horas lectivas semanais durante um único semestre. Dada a natureza semestral que já tinham na anterior estrutura curricular, duas cadeiras obrigatórias, Temas e Técnicas da Filosofia e Estética e Filosofia da Arte, passaram a dispor de apenas três horas lectivas semanais. É este o plano de estudos que ainda hoje vigora.

PARA SABER MAIS

Calafate, P., “Nótula sobre os Oitenta Anos de Ensino da Filosofia na Faculdade de Letras de Lisboa”, Philosophica 1, 1993, pp. 151-155.

Cerqueira Gonçalves, J., “50 Anos de Filosofia na Faculdade de Letras de Lisboa: a Filosofia de um Curso”, Revista Portuguesa de Filosofia 51, 1995, pp. 253-266.

Gama Caeiro, F., “Da Filosofia na Faculdade de Letras de Lisboa”, Revista da Faculdade de Letras, número especial, 1983, pp. 16-42.

Mattos Romão, J. A. de, “Alguns Aspectos da Evolução dos Estudos Filosóficos na Faculdade de Letras da Lisboa”, Revista da Faculdade de Letras 3, 1942, pp. 55-70.